Sinto umas saudades dos meus que até dói.
Partiram cedo demais. Uns atrás dos outros, quase. Sem me
conseguir despedir. Mentira. O meu avô esperou por mim.
Guardo-os a todos num lugar muito especial no meu coração.
Lembro-me deles vezes sem conta. No cheiro de uma comida, num ditado popular,
num dia de chuva, numa palavra.
Tenno tantas e tão boas recordações de cada um deles.
Partiram cedo demais e eu não sei se lhes disse o quanto os
amava. O quanto foram importantes para a minha vida, para a minha pessoa. Talvez
nunca o tenha dito, não venho de uma família que mostra facilmente afetos. Mas
sei que o mostrei, num gesto, num sorriso, numa palavra.
Partiram cedo demais e eu sinto que não os aproveitei. Era
muito nova. Adolescente e acreditando que as vidas são eternas e há sempre
o dia de amanhã para aproveitar. Às vezes não é assim.
A primeira a partir foi a avó Victória, mãe do pai. Dela
lembro-me da tardes de fim e semana passadas a fazer bolos. Eu fazia e ela
comia. Eu adorava imitar as senhoras que apareciam na televisão a fazer
receitas. Colocava tudo dentro de tacinhas como elas faziam e ia explicando à
única espectadora, que aprovava sempre o resultado final. A avó Victória fazia
o melhor gaspacho que eu já comi, descascava-me a romã e tirava os baguinhos
para eu comer a colherada. Não sabia ler nem tinha televisão em casa. Mas todos
os anos ia para a nossa casa ver o “Natal dos Hospitais”, não gostava de ver
telenovelas porque os atores andavam sempre aos beijos na boca e isso era de
mais para ela. Gostava que lhe lesse livros ou revistas e eu lia. Sempre gostei
de ler. Um dia encasquetou com a palavra típica. Eu dizia típica e ela dizia
pitica, e eu repetia ti-pi-ca e ela muito atenta repetia comigo cada silaba mas
quando era para repetir tudo sozinha ia dar ao pitica. E assim ficamos. Não era
uma mulher de afectos, não. De vez em quando andávamos às turras. Não queria
que eu brincasse com os rapazes, chama-me machota. Eu não gostava e fazia pior.
Partiu cedo demais. Inesperadamente, na véspera de um Natal.
Já lá vão quase 13 anos.
O avô José Marques, seu esposo, partiu, sem saber, com ela
nesse dia. Ninguém sofreu como ele esta perda. Ninguém. Era o meu avô, o único
que conheci com vida. Era um doce de avô. Homem grande, de olhos claros, lindo,
lindo. Gostava de rir e de comer. Recordo-me de ele no meu quarto a
perguntar-me como dava eu de comer a tanta família (referindo-se às minhas
bonecas). Gostava tanto quando ele me deixava andar na sua burrinha. É por ele
que este blog se chama A Salsinha. Eu era a sua salsinha e ele não sabe a falta
que me ficou fazendo ou talvez saiba.
Partiu pouco antes de um ano depois da avó Victória. Duas
perdas enormes em menos de um ano. Duas pessoas que fizeram de mim pessoa.
A avó Sezaltina, queria eu tê-la conhecido com saúde. Julgo
que ninguém a parava. Mulher forte, determinada, teimosa até, não tivesse a
vida sido tão dura. Com pouco mais de 40 anos viu-se viúva com uma filha de 14
anos (a minha mãe) e um filho de 17 anos para acabar de criar e educar sozinha,
em tempos em que uma sardinha se dividia por toda a família.
Parte uma perna poucos anos depois, que a deixa entrevada
para o resto da vida e como se isso não bastasse ainda carrega consigo a
diabetes. Vida dura, numa pessoa tão doce. Não me recordo de a ver amarga ou
sofrida com a vida. E ela sofreu tanto. Meu Deus. Sofreu até nos meus braços.
Houve tempos que a alimentei de iogurtes naturais com bolachas integrais, dados
a colher, como hoje faço com a minha filha. Todos eles, mas esta avó tão especial,
a minha confidente. Foi no colo dela que chorei as primeiras lágrimas de amor.
Partilhei com ela coisas que jamais partilhei com a minha mãe.
Os avôs são isso mesmo, uma espécie de segundos pais, mas
mais tolerantes, mais leves, mais descomprometidos.
Esta avó que cuidava de 5 netos aos mesmo tempo,cada um mais
traquina que o outro. Que me dava o leite sempre na mesma chávena da pombinha e
enquanto eu comia o pão barrado com margarina ela contava a história da dita
pombinha. Esta avó que também não sabia ler nem escrever e me diziam para
estudar muito e aproveitar porque os estudos eram a maior riqueza que os meus
pais me davam. Ainda pensei em ensiná-la a escrever. Nunca, sequer, tentei. Esta
avó que gostava tanto de viver e nem nos dias de maior dor e sofrimento
desistiu da vida. Enfrentou uma doença terrível, perdeu duas pernas, perdeu a
dignidade até, mas nunca perdeu a esperança e o sorriso.
Não partiu quando todos o esperamos, partiu, sim,
inesperadamente, quando assim o entendeu. Não cheguei a dizer-lhe adeus.
Cada um à sua maneira. Foram todos tão especiais e tão
importantes para mim. Até o avô Jacinto que só conheci em fotos o foi. O pai
querido da minha mãe, de quem ela ainda hoje chora a falta.
Os meus avôs olham por mim que eu sei. Falo tantas vezes com
eles. Agradeço-lhes, rezo por eles.
Gosto tanto deles e fazem-me tanta falta. Gostava de tê-los
outra vez, de aproveitá-los mais e de lhes mostrar o quanto importantes são/foram
na minha vida.
...
A minha Lia vive longe de todos. Uns (os meus pais) que só
vê duas ou três vezes ao ano, por razões obvias e os outros, que vivem bem mais
perto, nem por isso são tão mais presentes ou disponíveis quanto eu desejaria.
Sinto que ela está a crescer sem conhecer verdadeiramente
este laço tão bonito, este amor tão imprescindível. Dói-me um nadinha pensar
nisto.
Desejo de todo o coração que ela tenha tempo para conhecer
os avôs, para criar memórias boas, para desfrutar deste sentimento tão bom.